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Kamör Longshore - Rolando dados #1

   Das ruelas da mais simples vila de pescadores no limiar da parte mais pobre da não tão grande cidade de Velen, uma mestiça filha de ninguém especial vivia das moedas que estranhos cheios de falsa generosidade lhe davam em troca de sua música. O cheiro da pesca da noite anteior, a vista dos barcos, o toque da brisa salgada do mar e o constate trânsito de pessoas marcavam o cotidiano da meio-elfa Kamör, que de ânimo inabalável seguia sua rotina de visitas às tavernas locais em busca de trabalho e alimento.    Seu violino seguia atado às costas por tiras de couro enquanto saltitava por entre os casebres que compunham a vila que era sua casa desde que podia se lembrar. Sobrevivia de tudo que os olhos castanhos, como os cabelos e a pele morena, lhe podiam ganhar. Da infância abandonada à juventude sonhadora, fora criada por muitos e amada por todos e era bem vinda em cada um daqueles pequenos barracos. Adorava a união e a atmosfera daquele lugar.    Mas a melhor parte eram as históri

Little you

Nos últimos dias em que não pudemos conversar eu desenvolvi o hábito de conversar com uma pequena versão de você que carrego na minha cabeça. Eu escutei aquele podcast de que você sempre fala e pude ouvir o pequeno você fazendo as piadas que eu sei que você faria para cada coisa dita no programa. Ele me fez rir um pouco. Então algo me irritou no trabalho e eu falei para o pequeno você que estava perdida e ele me disse que daria tudo certo, como você costuma fazer. E ajudou um pouco. Eu conversei com o pequeno você sobre coisas que me deixaram entusiasmada e fiz fofocas sobre nossos amigos, foi quase como se você estivesse lá. Tive uma crise de choro enquanto minha mente pensava demais em problemas que ainda não aconteceram e disse ao pequeno você que o amava e precisava de você.  Ele me acalmou o suficiente para pegar no sono. Pouco. Quase. Desigual. O pequeno você que carrego comigo acalma meu coração ansioso e me ajudar a esperar sua chegada com questionável sanidade. Mantenho

Me perdoe por não poder sarar suas feridas

Toda vez que eu vejo seus olhos caídos, sem brilho, sem vigor, eu gostaria de poder absorver as tuas frustrações. Sempre que eu percebo a dor em sua voz, tão baixa, um sussurro, eu quero arrancar a decepção do teu peito e colocar sobre o meu. Quando você deixa de ser você e só torna só mais um, sem brilho, sem essência, eu só desejo carregar os teus traumas para longe. E mesmo em meio à minha dor, meu medo, meus pedaços, eu só quero que você saiba que é querido, amado e adorado. Que aprecio as coisas que sua mãe não apreciou, que sinto orgulho das coisas que seu pai não sentiu. Que tudo que você é, é lindo mesmo em meio a essa nuvem de sofrimento. E se pudesse carregar toda ela para mim, só pra te ver sorrir, eu o faria. Mas eu não posso. Me perdoe por não poder sarar suas feridas, estou fazendo o melhor que posso. Divide teu fardo comigo e não se deixe esmagar sozinho. Me perdoe por não poder sarar suas feridas e me permita lhe fazer companhia enquanto elas cicatrizam. Me pe

Depressão.

É querer tudo e não querer nada ao mesmo tempo. É odiar aquilo que não se tem forças para mudar, mas que se tivesse não saberia como fazê-lo. É lembrar-se da sensação de felicidade, lembrar-se da sensação de ter ambições e sonhos, como se fossem uma memória distante de outra pessoa, não saber exatamente como é aquilo. É sentir-se como um imenso corpo hídrico de águas paradas. Toda essa água é potencial. Parada. Sentir-se tão desesperadamente inerte, que até o seu desespero é mudo.  É assistir por trás de uma redoma de vidro enquanto o mundo segue em frente e você permanece. Sempre permanece. É um filme de suspense que não acaba. Nada acaba, nunca acaba. Não é fim.

Continua

No início achava bonito, sentia orgulho, queria contar pra todo mundo. Era incrível se sentir boa em alguma coisa outra vez. Depois era só rotina, um sorriso ocasional, defendia se falavam mal. E aí parou de defender. Então só queria fazer outra coisa, alguma coisa, qualquer uma. E buscava, sonhava, planejava e dizia: um dia eu chego lá. A urgência de um evento, uma dor, um limite, fizeram esse dia chegar: preciso chegar lá agora. E não chegou. Por que um dia não queria mais nada, nem o que tinha, nem o que podia. Um novo limite, uma nova linha cruzada. Só quer a linha final, a linha de chegada de que se cruza para o abismo. Mas não acaba. Nunca acaba. Só continua. Então se força, se empurra e se diz: só continua.

É domingo e eu não quero que acabe.

    Toda vez que eu assisto meu seriado favorito uma parte de mim fica balançada. Em meio à todo o drama emocional e problemas cotidianos com que que aqueles personagens têm de lidar, todos eles têm algo em comum, fazem aquilo que amam. E de forma bruta sou lembrada que tenho de acordar amanhã às seis para seguir para o emprego que eu não amo. Não me entenda mal, eu gosto do meu trabalho. Na verdade, eu gosto que sou boa nele, que sei o que estou fazendo. Mas pensar em fazer aquilo pelo resto dos meus dias me causa calafrios.     Toda vez que eu assisto meu seriado favorito eu me pergunto porque não fazemos as coisas que amamos. Se temos de trabalhar um mínimo de quarenta horas semanais por décadas de nossas vidas, porque fazemos coisas que nos fazem mal? Usualmente é neste momento que a parte de mim que é sensata me diz que eu já deveria ter aprendido que a vida não é um conto de fadas e nos agarramos às oportunidades que nos aparecem a fim de sobreviver. Que não vale a pena lutar e

Do alto para o escuro.

No início, só andava. Engatinhava até. E então a velocidade aumentou e o medo de ficar para trás foi imenso. E corri. Corro. Corro desesperadamente e abro todas as portas desse imenso corredor. Jamais entrando nesses recintos obscuros que guardam sabe-se lá o quê. Esmurro as portas, abro com delicadeza, mas nada me chama lá dentro. Corro desesperadamente, pois não sei quando vou chegar lá. Na verdade, não sei aonde estou indo. Corro mesmo enquanto as lágrimas escorrem e a visão fica turva e já nem sei mais que portas abro e que caminho sigo. E então desisto. Não há horizonte. Não há aonde chegar. Caída de joelhos no chão, ninguém ouve os gritos do meu coração. Não há nada a alcançar. Me deixe estar sobre minhas feridas, meus calos e sonhos perdidos. Deixo-me engolir pela escuridão sem pensamentos. Anseio por sua gloriosa paz. O fim.